Dias dos pais: Shrek e Shrekinho, amados e temidos desde a primeira volta
Os pilotos e preparadores Fabiano e Gabriel de Ávila, pai e filho, usam estratégia arrojada para conquistar uma coleção de troféus e levar o público ao delírio
Quem não é do mundo da velocidade na terra e no asfalto paranaense e passa em frente à Mecânica Shrek, no bairro Tingui, em Curitiba, não faz ideia que ali trabalham dois dos pilotos mais temidos nas pistas. Ao entrar na oficina fica fácil entender o motivo da fama: uma quantidade impressionante de troféus perfilados numa galeria no alto da parede.
São inúmeras conquistas na velocidade e na arrancada na terra, na velocidade no asfalto e no kart que nasceram, literalmente, dentro de casa. Fabiano José Alves de Ávila, 45 anos, mais conhecido como Shrek, pela semelhança com o personagem de animação e a sua pouca paciência, é pai de Gabriel Bochnek de Ávila, 22 anos, o Shrekinho. Ambos são os responsáveis por construir os carros com os quais disputam diferentes campeonatos pelo Brasil.
A interessante história dessa dupla foi a escolhida pela MILITEC Brasil para ser contada como forma de homenagem ao Dia dos Pais, comemorado neste 14 de agosto em 2022.
Fabiano, na verdade, afastou-se um pouco do cockpit e se dedica mais em gerenciar a equipe Mecânica Shrek em competições como o Paranaense e o Brasileiro. Ele e o filho também fazem a preparação dos carros de outros pilotos do estado, como de Cascavel e de Ponta Grossa, além de outras regiões do país, no caso de Rondônia.
Mas, quando o Fusca 246 e o Gol 264, da Mecânica Shrek, estão no grid é sinônimo de delírio na arquibancada e apreensão entre os competidores. Tudo por causa da primeira volta. É ela a responsável por boa parte do sucesso, e das muitas inimizades, da família Ávila no circo da velocidade.
“Quando não se tem equipamento, a corrida é ganha na primeira volta. Se é para bater, vamos bater na primeira, se é para passar, vamos passar na primeira”, resume o pai, que tem na tocada agressiva sua principal característica. Herdada pelo filho, é lógico!
Fabiano faz questão de admitir que não tem trava no pé. “Onde for para subir (na hora da ultrapassagem), eu vou. Se é para trepar no barranco, eu trepo, se é para disputar a posição no toque, eu faço. Eu ganhei várias corridas pela primeira volta”, conta o curitibano, que subiu ao lugar mais do alto do pódio pela primeira vez aos 18 anos, dirigindo um dos veículos da equipe do pai, o ex-piloto Avelino José Alves de Ávila, que também foi pioneiro em introduzir MILITEC 1 nas competições pelo Paraná (leia mais abaixo).
“Eu parado batia biela”
A atitude arrojada dos Ávilas nem sempre é bem vista pelos adversários e pela própria organização do evento. Fabiano afirma que na hora do briefing para as provas, já foi deixado por último para uma conversa mais reservada sobre o seu comportamento nas pistas.
Certa vez ele foi impedido de correr em Guaramirim (SC), numa prova organizada por um grupo de amigos, depois de não dar chances aos outros 29 concorrentes. Já na tomada de tempo, chegou a abrir 4,5 segundos em cima do segundo colocado.
Os organizadores argumentavam que ele andava muito rápido e que a preparação do veículo estaria fora do regulamento. Porém, feitas as medições no Fusca, constataram que atendiam às especificações.
“O que acontecia é que eu era fora da casinha. Eu parado batia biela”, brinca sobre o seu estilo destemido de pilotar. Foi dada a ele duas opções: desistir da prova e receber de volta o valor da inscrição, ou então largar dos boxes, em último.
É claro que o Shrek preferiu sair em 30º dos boxes. Só que uma desatenção durante conversa com a equipe fez ele entrar atrasado na pista. Com isso, a estratégia da primeira volta foi adiada para a segunda.
Assim que avistou um barranco de 4 metros de altura, não pensou duas vezes. Tracionou o veículo e usou o paredão como pista para ultrapassar por fora cerca de 15 carros de uma só vez. “Quem assistiu àquela manobra afirmou que foi uma coisa linda, de cinema”, relembra o piloto, que acabou vencendo a primeira bateria, com uma volta em cima do terceiro colocado.
Veio a segunda bateria e tentaram mais uma vez tirá-lo da disputa. Ele então propôs dar meia pista de vantagem, largando novamente dos boxes. A oferta foi aceita, para arrependimento dos competidores ao fim da prova, vencida novamente pelo paranaense.
“A partir desse episódio eu fui proibido de correr nesta competição em Santa Catarina. Foi ali que comecei a ter os meus primeiros pilotos,” recorda Fabiano, que repetiu com a sua equipe essa e outras conquistas em solo catarinense.
Gabriel estreia sem saber trocar de marcha
Na primeira década dos anos 2000 um pequeno Gabriel assistia ao vivo as façanhas do pai. Ele vivia intensamente aquele ambiente das corridas. “Lembro de meu pai me colocar dentro do carro, em meio à estrutura tubular do cockpit, no deslocamento até o parque fechado. Era o momento de muita felicidade. Eu dizia a todos: ‘andei de carro de corrida’”.
As primeiras aceleradas do futuro Shrekinho começou bem cedo, aos 3 anos de idade no kart. Contudo, a estreia na Velocidade na Terra só viria aos 14 anos, de maneira até curiosa.
“Meu pai comprou um fórmula (monoposto) para eu correr, sem que eu soubesse sequer trocar a marcha e pisar na embreagem. Só havia andado no simulador, que é totalmente diferente. Na primeira prova, não conseguia nem sair do box. O motor ‘morria’ toda hora”, relata.
Após levar algumas duras do pai, Gabriel foi para o treino e conseguiu fazer o segundo melhor tempo classificatório em meio a vários participantes experientes. Era um indício de que o DNA dos Ávilas permanecia nas pistas. Terminou em quinto e ali começou a ampliar coleção de troféus da família.
“Eu sempre expliquei para o Gabriel que não tem esse negócio de andar morninho, esperando. Quando o nosso equipamento é inferior, temos de ir para cima e os outros carros que se virem depois para passar”, observa o pai.
Primeira vitória sob a benção da avó
A primeira vitória de Gabriel aconteceu em 2016, aos 15 anos. Estava a bordo de um Chevette e já vestia o estiloso capacete amarelo, com uma bela pintura em cromo, que o acompanha até hoje.
O acessório foi desenvolvido pelo Estúdio ArtMix, empresa que tem na carteira de clientes nada menos que o inglês Lewis Hamilton, heptacampeão de Fórmula 1, e os brasileiros Rubens Barrichello e Felipe Massa, ex-pilotos da Ferrari
“Sonhava com esse tipo de capacete desde os 6 anos de idade. Mas, era muito caro. Meu pai só conseguiu comprar nove anos mais tarde”, ressalta.
A primeira conquista foi inesquecível tanto para o filho quanto para o pai por uma cena que será sempre lembrada por ambos. A avó de Fabiano, bisavó de Gabriel, Maria Olga Zanni de Ávila, então com 99 anos, acompanhou a prova no circuito.
“Ela ficou o tempo todo rezando e depois subiu ao pódio para dar a benção aos pilotos e entregar o troféu ao meu filho. Foi um momento lindo”, recorda Fabiano, emocionado e sem conter as lágrimas pelo gesto da avó, que faleceu aos 101 anos.
Gabriel diz que a atitude foi ainda mais valorizada diante da situação financeira difícil que viviam à época, sem dinheiro até para efetuar a inscrição.
“Fomos lá apenas para assistir aos treinos e dono do evento veio até nós e ofereceu gratuitamente a inscrição. O carro estava guardado, nunca tinha andado com ele. Outras pessoas vieram e deram o combustível, a refeição e muito mais”, conta.
O piloto, ainda uma adolescente, largou em último, num grid composto por 30 Chevettes. Na primeira bateria terminou em quinto e na segunda chegou à frente. “Foi a primeira vez que minha avó foi a um autódromo. E, ainda viu eu dar a bandeirada da vitória para o Gabriel”, destaca Fabiano, que quase destruiu a socos o capô do Chevrolet de tanta felicidade.
Carros eram montados com o lixo dos outros
Apesar das inúmeras vitórias, competir nunca foi fácil para a família Ávila. Ela não contava com patrocínio e todo o investimento na carreira da dupla até hoje sai do próprio bolso. Fabiano revela que antigamente deixava de colocar comida na mesa de casa para bancar a preparação dos veículos.
O dinheiro era tão curto que não havia como comprar peças novas devido ao alto custo. A solução era revirar o lixo das outras equipes após as provas em busca de componentes. “A gente montava os veículos com as sobras dos outros, desde a época do kart. E sempre achava coisas em boas condições, como pneus, tanques e bicos injetores”, relembra Gabriel.
E quando comprava algo novo, dividia em várias prestações. “Muitas peças duravam apenas duas corridas, mas a gente continuava pagando por um bom tempo”, acrescenta. Durante muito, Elaine, mulher de Fabiano, foi a única funcionária da oficina, ajudando a montar e desmontar os motores.
A dupla também contou com o carinho e a ajuda de alguns amigos, como o piloto Claudio Kyrila, que presenteou Gabriel com o primeiro kart, o preparador Iferson Mottin, que cedeu várias peças, e Gastão Vosgerau, que sempre apoiou a família Ávila e é um dos principais idealizadores de eventos automobilísticos no Paraná e do piloto Rogério Melani, que ajudou a o negócio da preparação prosperar, atraindo clientes.
Outra maneira de driblar a falta de dinheiro era trocar as hospedagens em hotel pela van nas competições pelo interior do Paraná e outros estados. A veículo é usado como dormitório até hoje pela dupla. “Dormimos sempre na van, abraçados. A gente nunca fica em hotel, nunca tivemos luxo”, fala Shrek.
Motores a ar de primeira linha
A realidade mudou e pai e filho atualmente conseguem preparar os veículos com componentes novos na oficina no Tingui. Além disso, muitos projetos que são feitos para outros pilotos recebem o que há melhor em equipamentos. No Gol de Gabriel, por exemplo, foram investidos cerca de R$ 50 mil entre veículo, acessórios e conjunto mecânico.
“Quando montamos um motor sempre procuramos peças de primeira de linha, conforme o investimento do piloto. Nunca colocamos uma de menor qualidade, pois se ela quebra, todo o conjunto pode quebrar também. Tem muito preparador que usa componentes de segunda linha e o piloto nem sabe”, comenta Gabriel. A Mecânica Shrek costuma importar produtos da Alemanha e dos Estados Unidos para montar os motores dos veículos.
Os carros preparados na Mecânica Shrek, às vezes, antes de ir ser entregue aos donos são testados nas próprias competições que a dupla participa, e, quase sempre, andando na frente.
Apesar de mexer em todo tipo de motor, a especialidade da dupla são os propulsores a ar refrigerado de Fusca, Brasília e Kombi. “É o motor mais complicado de mexer. Para montar um carro derivado a ar é muito caro, porque é difícil encontrar as peças. Tem de importar”, descreve Gabriel.
Uma preparação bem feita, segundo ele, leve cerca de um mês. Mas, a empresa fez um em três dias, trabalhando noite e dia. “Só não pintamos o carro, o restante fazemos tudo”. Um piloto curitibano teve perda total do Fusca nos treinos de quarta-feira de uma etapa do Brasileiro de Velocidade na Terra em 2008. A prova seria no sábado. Ele então entregou um Fusca Itamar original que tinha na garagem à Mecânica Shrek.
“Montamos em três dias. Tivemos de cortar e fazer o motor. Na sexta pela manhã ele já estava na pista com o Itamar dando a partida. Acabou campeão brasileiro”, recorda Shrekinho.
Acidentes graves na época do kart
Por acelerarem no limite, manter os veículos inteiros é um desafio quase impossível para Fabiano e Gabriel. “Só o teto dá para aproveitar”, brinca o pai. “Na maioria das vezes eu nem refaço a pintura, pois na primeira volta já vai estar todo batido. Prefiro investir em equipamento de segurança, como bancos e cintos”, emenda o filho.
Apesar de toda a ousadia, os acidentes mais graves já sofridos por eles não têm relação com a agressividade com que pilotam. Shrek quase perdeu a vida numa corrida de kart aos 14 anos, em Rolândia. Um parafuso do volante quebrou e ele passou reto numa curva, quebrando o muro e indo parar nos boxes.
“Foi tão grave que fiquei vários dias em coma. Quem me salvou a tempo foi Rubens Gatti, na época mecânico da categoria (hoje presidente da Federação Paranaense de Automobilismo). Ele me levou rapidamente para o hospital. Devo minha vida a ele”, relembra Fabiano, que chama Gatti carinhosamente de “tio”.
Já Shrekinho quase ficou paraplégico também num acidente no kart. “Deram na traseira dele, de maldade”, acredita o pai.
Dupla vive relação de amor e ódio nas pistas
Fabiano de Ávila reconhece que o temperamento deles nas pistas desagrada pessoas do meio. Na verdade, chegam a ser odiados por muitos, sentencia.
“Quando tem dinheiro, é só sentar que o carro faz as manobras quase sozinho. Agora quando não tem, é preciso tirar leite de pedra. A gente busca fazer isso, por isso que não somos tão queridos”, justifica.
Shrek conta que recentemente foi feito um grupo de kart no WhatsApp e que convidaram um monte de gente, inclusive eles. “Quando a gente entrou, acabou o grupo”, relata, aos risos.
Por outro lado, a pilotagem da dupla é um show à parte para o público, que grita os nomes dos pilotos na arquibancada. Eles contam que conquistaram muitos amigos e fãs. “O público vai ao delírio da maneira como competimos”, reforça Gabriel.
Dias atrás, o jovem piloto recebeu uma mensagem do filho caseiro do autódromo de Ponta Grossa, de apenas 12 anos, perguntando por que eles não estavam mais correndo por lá – a última vez que a Mecânica Shrek acelerou nesta pista foi no início de 2020, na pré-pandemia.
“O menino disse que sentia falta, que torce por nós e gosta de ver a gente correndo. As mães e as crianças nos adoram, principalmente por colocarmos as fotos do Shrek e do Shrek bebê nos carros.”
Gabriel prometeu ao garoto que quando voltar a Ponta Grossa vai dar algumas voltas na pista com ele. “Ele sempre pediu para andar num carro de corrida, mas nunca foi atendido.”
Já Fabiano diz que essa é a motivação que os levam para os circuitos de terra, e não o dinheiro. “O troféu é só um objeto. Vai ficar ali exposto. Mas, o que motiva a gente é carinho do público e as lembranças que ficam.”
Primeiro preparador a usar MILITEC 1
A trajetória da família Ávila na velocidade teve início com seu Avelino, pai de Fabiano. Primeiro como piloto e muitas vitórias na carreira, e mais tarde como preparador de carros para a competição, dono da oficina Bino Car, no bairro Uberaba, em Curitiba. Coube ao patriarca ser o primeiro a investir na eficiência do MILITEC 1 em carros de corrida no Paraná.
“Meu pai foi o primeiro preparador no estado, ao lado do Dario Cava, a usar o produto, isso em 1997. Tanto em carros de rua como na linha de competição, no caso de Fusca motor a ar e de Opala 6 cilindros”, recorda Shrek, que também teve um irmão piloto, Emerson José de Ávila, já falecido.
Segundo Fabiano, o MILITEC 1, é ideal para não deixar que a temperatura do motor a ar suba demais, algo que é bastante comum nesse tipo de propulsão. “O produto ajuda muito a diminuir a temperatura dentro do motor”, destaca.
O MILITEC 1 é um componente que não pode faltar nos projetos feitos pela Mecânica Shrek. Fabiano lembra de um episódio na época em que o filho corria de kart e que numa prova estava comendo poeira. Ele decidiu tirar os rolamentos, lavar com gasolina, remover toda a graxa e, então, tratar os rolamentos com MILITEC 1.
“Pai do céu, que foguete!”, disse Gabriel ao pai após a prova. “A gente virava o kart de cabeça para cima e girava as rodas. Elas não paravam mais”, relembra.
Retorno às pistas
Após quase 1 ano e meio sem ligar as máquinas preparadas – com a paralisação das provas por conta da coronavírus -, o time Mecânica Shrek voltou às pistas em fevereiro deste ano. Porém, ainda sem Gabriel no cockpit, que esteve somente ao lado do pai nos boxes, gerenciando outros pilotos.
O retorno de Fabiano estava previsto para o dia 24 de julho, no Troféu SJP, em São José dos Pinhais, com o Gol azul, com apoio da MILITEC Brasil. Ele revela que após o nascimento do neto Miguel Lorenzo, filho de Gabriel, hoje com 3 anos e meio, decidiu tirar gradativamente o pé do acelerador e deixar de lado a estratégia da primeira volta.
“Eu penso no meu neto, porque eu tenho de deixar alguma coisa para ele. Eu quero curtir cada momento ao lado dele e, também, da minha mulher Elaine”, pondera. Enquanto Shrekinho prepara a sua volta em agosto, provavelmente nas 100 Milhas de São José dos Pinhais.
1 Comentário
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Avelino de Ávila, meu grande amigo Bino!!!!, ontem mesmo estive lá em sua oficina, gente boníssima!